segunda-feira, 30 de agosto de 2010

À Procura de Mim

As brumas de São Paulo
tecem uma rede de névoas
e eu, amarrado à cruz de Santiago,
vejo tímidos e difusos brilhos além dela.
Condenado ao sacrifício
não consigo desatar os nós da minha cruz ladra,
à esquerda de Deus Homem.

Um dia fui expulso
obedeci
depois eu percebi
que houve muitas outras obediencias
são elas que me doem
nunca fui eu
fui apenas obediente.
Por isso preciso ir embora
à procura de quem eu
pudera ser
talvez
ainda.


A mão largada
mutilada
dividida da vida
achava-se viva
mas vivia morta
para abrir as portas
e saber além.
A mão ligada
atarraxada
somada e querida
descobriu a mentira
de saber-se torta
e ao abrir as portas
se encontrou também.
A mão direita
achava-se certa
por razões óbvias.
A mão esquerda
achava-se errada
por razões outras.
Aquela negava esta
por se sentir direita.
Esta esperava aquela
por saber-se torta.
Porém,
nem uma, nem outra
procurou a porta
que estivesse aberta
prá juntar-se a dois.


Procurei meu alimento
em sonho alheio
sem saber ver o pão
que eu mesmo amasso
o corpo escancarou seu desespero
e o âmago doeu de tanto espanto.
Desde que nasci me soube ateu
sem direito à missa que eu mereço
escondendo de mim que o Messias
era eu mesmo.
Mas hoje eu posso celebrar
tão sagrado e tão humano
meu ritual no altar da vida
ministrando assim solene
minha própria eucaristia.

A raínha robou meu coração
e eu atordoado
vôo ao seu castelo para recuperar a vida
mas meu coração não é aquele
eu mesmo caçador inconformado
o guardei no bosque
e lá na sombra protegida pelos olhos que me amam
fez raízes
e alimentou-se da seiva do porvir.
Tive que chafurdar na lama
e explorar o bosque dia e noite
tremer e chorar desesperado
até encontra-lo árvore crescida
milenar
cheia de histórias e de frutos
para alimentar a mim
e ao meu amor.